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Dados Lançados

"I'm not a perfect person. There's many things i wish i didn't do but i continue learning"

Dados Lançados

"I'm not a perfect person. There's many things i wish i didn't do but i continue learning"

Posso ralhar com eles, posso?!

Tenho a loja quase vazia. A liquidação até está a correr bem e, felizmente, quase já não tenho roupa. No entanto, como é obvio, penso eu, se tivesse mais roupa em stock colocava-a na loja para poder enche-la e vender! Ou não é assim tão obvio?!

 

Para alguns parece que não é porque o que mais tenho ouvido ultimamente é:

 

- Tem o tamanho X deste modelo?

- Não tem lá dentro em armazém este modelo noutra cor?

- Não vai receber mais mercadoria para a liquidação?

 

Há dias que só me apetece gritar com esta gente para ver se percebem o que quer dizer liquidação.

Não sei se sinta alivio ou tristeza.

Entrámos em liquidação à quase um mês. A loja está mais despida de dia para dia. E eu não sei como me sinta. 

 

Vazio. Acho que é a melhor palavra para descrever.

 

Caras novas entram e saem. Tal como caras já bastante conhecidas. A maior parte deseja sorte para o nosso futuro. Algumas dizem que não devíamos ter desistido tão cedo - as mesmas que só vêm a loja comprar quando temos saldos ou promoções e ainda assim pedem um desconto ainda maior. Há quem ache que estamos a brincar quando dizemos que vamos fechar e há quem venha dizer que sempre soube que não nos íamos aguentar muito nesta rua.

 

Todos acham que têm uma palavra a dizer. Todos acham que têm uma opinião a dar. E eu? Eu sorrio e digo que não foi uma decisão fácil mas que tinha que ser tomada.

 

No fim, quando se vão todos e é hora de fechar a porta, olho a loja tão vazia, tão despida, é assim que me sinto também. Vazia.

Hoje, nesta loja, é rir para não chorar!

- Boa tarde menina, disseram-me que é aqui que aceitam roupa usada.

 

- Boa tarde. É verdade. Nós temos uma parceria com a Cruz Vermelha e, as pessoas ao deixarem cá roupa que não usam, recebem um vale de desconto de 10% para depois poder comprar roupa nova na nossa loja.

 

- Ah, é assim. É que eu vou explicar. A minha nora mandou-me este casaco de oferta do Continente (tirando um grande casaco de pele de um saco) mas eu não gosto dele.

 

- Então, se estiver interessada pode deixa-lo para doar à Cruz Vermelha e pode usar o vale numa compra que fizer agora ou pode guarda-lo para usufruir no espaço de 3 meses.

 

- Doar? Não! Eu quero vendê-lo!

 

- Ah, mas nós não compramos. Só recebemos a roupa que as pessoas não querem mais. Ou seja, é como ir fazer a doação à Cruz Vermelha, a única diferença é que indo lá não recebe nada em troca e vindo aqui recebe o vale para descontar numa compra.

 

- Ai, não estou a perceber nada! Vocês não compram?

 

- Não.

 

- Então mas quanto é que acha que vale este casaco?

 

- Não faço ideia minha senhora.

 

- Então, mas você tem aqui roupa, deve saber avalia-lo para poder dar-me o desconto!

 

- A senhora não está a perceber. Nós não atribuímos o desconto consoante o valor das peças cá deixadas. A senhora pode cá deixar 1 peça ou 20 peças que o desconto é atribuído pelo seu gesto, como forma de agradecimento pela sua contribuição.

 

- Não estou a perceber nada. Explique lá isso melhor.

 

- Qual é a sua confusão?

 

- Não percebo nada. Dê-me um exemplo!

 

- Ok. Imagine que a senhora deixa cá uma serie de peças suas que já não quer (sem ser o casaco, visto que o quer vender!). Como agradecimento pelo seu gesto tem direito a um vale de 10% de desconto para gastar aqui na minha loja. Ou, ao deixar as suas peças faz logo a compra e no acto do pagamento eu faço o desconto imediato, o deixa as peças e leva o vale para gastar num prazo de 3 meses.

 

- Eu levo o vale!

 

- Certo. Então a senhora deixa as roupas e eu dou-lhe um vale de 10% de desconto para usar mais tarde.

 

- E depois?

 

- Imaginemos que passado um mês a senhora vem cá à loja outra vez e escolhe uma serie de peças nossas para comprar num valor de 50€, por exemplo, para serem números redondos. Quando vier pagar apresenta o vale e em vez de pagar os 50€ paga 45€ porque tem o desconto dos 5€ do vale, que são os 10% da compra total. Percebe?

 

- Não. Então eu deixo a minha roupa e ainda tenho que pagar?

 

- Deixa a roupa que já não usa e paga o valor que sobra depois do desconto do vale.

 

- Isso não é um negócio muito bem feito! Não acho justo! Então deixo o meu casaco novo e ainda tenho que pagar para levar roupa? 

 

- Se não quiser usar o vale não é obrigada a usar. Pode apenas deixar cá a roupa e nós fazemos ela chegar à Cruz Vermelha na mesma.

 

Nisto já o MC, já farto de rir no armazém, aparece para tentar ajudar e elucidar a senhora.

- O que se passa?

 

- A senhora queria vender o casaco e eu estou a explicar-lhe que não compramos, só aceitamos roupa para a campanha da Cruz Vermelha.

 

- Mas isso não é um negócio muito bem feito, senhor. Se eu fizer isso estou a perder com o vosso negócio! Já viu bem o casaco?

 

- O que a senhora pode fazer é ir a loja de 2ª mão que há mais acima na rua.

 

- Ai há uma loja que compra coisas nesta rua? E como é que funciona, deixamos lá e pagam logo ou pagam quando venderem?

 

- Isso já não sei, só sei que existe essa loja mais no cimo da rua.

 

- Pronto já não é mau. Já me soube dizer alguma coisa!

 

A senhora saí a nossa porta e encontra a cusca do café do nosso lado, que estava à porta já para ouvir o que se passava, e pára para pedir um cigarro.

- A senhora tem um cigarro que me dê?

 

- Não, não fumo.

 

- Mas já viu o negócio destes seus vizinhos? Quem cair nesta conversa vai estar a perder! Olhe o que é deixar este meu casaco e ainda ter que pagar para comprar na loja deles! Onde já se viu? Olhe bem para o casaco, é bonito e está novo, eu é que não gosto dele! Prefiro outro estilo. Mas não vou deixa-lo aqui e ainda ter que pagar. Era o que mais faltava!

 

 

Conclusão, passado uns 10 minutos a explicar a mesma coisa à senhora ela ficou sem perceber nada e ainda foi falar mal à cusca do lado! 

Expliquei assim tão mal?! Hoje só me calham duques!

 

E não podia ter o MC entrado logo e dito que havia uma loja de 2ª mão ao cimo da rua?! Poupava-me a isto tudo...

Até quando é aceitável insistir e lutar?

Até quando?

 

"Janeiro é um mau mês. Fevereiro também não é bom, para além de ser pequeno. Março já melhora de novo." Hoje, a 8 de Março só me apetece responder "tens a certeza?"

 

Desde que abrimos que o mês de Novembro foi o melhor. Nem com o Natal conseguimos ter um bom mês. No inicio do ano, com os saldos, não melhorou também. Não até termos decidido colocar tudo a 5€. Toda a loja. Com esta iniciativa sim, vimos melhorias. Aparecia dinheiro até de onde não havia, para alimentar o consumismo desenfreado da ilha. Vendeu-se até peças que não mexemos no preço por já estarem a 5€ anteriormente. Durante uma semana houve movimento que desconhecia nesta rua e, de manhã, fazia-se fila à porta à espera de abrirmos. Durante uma semana todos ouviam fala de nós. Mas só durante uma semana.

 

Quando já não havia muita escolha, havia quem perguntasse pela nova colecção. O que trazia, quando chegava, a que preço estaria. Nós respondemos com toda a informação que disponhamos. Tentamos deixar os clientes curiosos também, para terem vontade de vir ver a nova colecção assim que chegasse. Todos diziam que vinham na semana seguinte para ficar a par das novidades.

Uma semana passou. Hoje já é 3ª feira da segunda semana, até. Onde está a fila a porta para entrar? Onde estão os curiosos que tanto queriam ver a nova colecção? Não sei. 

 

À mais de uma semana que quase ninguém entra nesta loja. À mais de uma semana que fecho a caixa às 20h quase a sempre a 0€. À mais de uma semana que andamos a ponderar até que ponto vale a pena insistir e lutar por esta loja.

 

Se por um lado sabemos que o Inverno é sempre menos lucrativo e que estamos nesta situação porque abrimos mais perto do Inverno do que do Verão, por outro lado temos consciência que todos os dias estamos a enterrar dinheiro que não é nosso numa loja que não sabemos se irá dar frutos.

 

As noticias que nos chegam do Continente é que lá está igual. As pessoas têm frio e não têm vontade de olhar sequer para peças frescas como as da nova colecção. Que não devemos desistir agora porque nas estações quentes é que se vende mais por isso desistir seria morrer na praia. Que basta os dias aquecerem um pouco para notarmos isso nas vendas.

E nós acreditamos que realmente isso seja verdade, no entanto, como é que se pagam contas com esperança? É muito fácil falar quando já se tem um bom fundo de maneio ganho no tempo das "vacas gordas", mas e quando não se tem, como é o nosso caso? O que se faz quando se olha para a conta e não se tem a certeza que haverá dinheiro suficiente no final do mês?

 

O lógico seria mudar de loja. Claro. Para um local de maior passagem, de preferência. No entanto, para onde, se até nisso estamos a encontrar dificuldades? Nunca na vida nos sujeitaríamos a pagar 5000€ de renda mensal por uma loja, esteja ela onde estiver. Com as margens que nós temos teríamos que vender a loja toda 5x por mês só para pagar a renda. E as restantes despesas, quem pagava? Os senhorios pedem rendas inflacionadíssimas! Acho que a maior parte deles nem sequer tem noção do que está a pedir ou do quão seria difícil ganha-lo. É fácil pedir, pode ser que calhe. E se não calhar mantêm-se fechado, pensam eles. E por isso quase toda a ilha tem espaços fechados. Montras despidas. Ruas vazias.

 

Não sei se vamos aqui ficar muito tempo, sinceramente. Não porque o sonho tenha acabado, mas sim porque é impossível manter sonhos em cima de areias movediças.